A construção civil é uma das maiores responsáveis pelas emissões de dióxido de carbono (CO₂) no mundo, e o cimento ocupa uma posição de destaque nesse cenário alarmante. Ao lado do petróleo, ele se tornou um dos maiores vilões da crise climática, sendo essencial para a fabricação do concreto — material predominante nas construções urbanas.

O Problema do Cimento e seu Impacto Ambiental
A produção de cimento é altamente poluente. O processo industrial de fabricação libera grandes quantidades de CO₂, um dos principais gases do efeito estufa, devido à queima de combustíveis fósseis e à reação química de calcinação do calcário. Para se ter uma ideia, se a indústria do cimento fosse um país, ela seria o terceiro maior emissor de CO₂ do planeta, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Esse impacto é potencializado pelo uso massivo do concreto em todas as cidades do mundo. Os centros urbanos, predominantemente revestidos por esse material, sofrem com sérias consequências ambientais:
Impermeabilização do solo: O concreto impede a absorção da água da chuva, agravando enchentes e dificultando a recarga dos lençóis freáticos.
Ilhas de calor: As superfícies de concreto absorvem e retêm calor, aumentando a temperatura das cidades.
Perda da biodiversidade: A ocupação excessiva do solo com concreto reduz a vegetação urbana, afetando o equilíbrio ecológico.
Alto consumo energético: A produção do cimento e seu transporte demandam enormes quantidades de energia, muitas vezes geradas por fontes poluentes.
Soluções para Cidades Mais Permeáveis e Sustentáveis
Apesar desses desafios, existem alternativas para tornar as cidades mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas:
Uso de materiais alternativos: Tecnologias como o concreto permeável, o cimento de baixo carbono e materiais naturais como terra compactada e bioconcreto podem reduzir significativamente as emissões e permitir maior absorção de água.
Aumento das áreas verdes: Telhados e paredes verdes, além de parques urbanos e corredores ecológicos, ajudam a reter água e reduzir as ilhas de calor.
Pavimentos drenantes: Ruas e calçadas construídas com pisos intertravados ou de materiais porosos permitem a infiltração da água no solo.
Revisão dos códigos de construção: Regulamentações mais rigorosas podem exigir soluções sustentáveis nas novas construções.
O Impasse nos Orçamentos Públicos: O Caso de São Paulo
Apesar dos avanços tecnológicos e da crescente conscientização sobre a urgência da sustentabilidade, muitas cidades ainda enfrentam entraves burocráticos e estruturais para implementar soluções ecológicas. Em São Paulo, por exemplo, as planilhas base utilizadas para orçamentos de obras públicas não contemplam elementos, sistemas e materiais sustentáveis. Isso significa que, mesmo que existam tecnologias mais ecológicas, elas não podem ser oficialmente incluídas nas licitações e projetos governamentais.
Esse entrave representa um paradoxo: após tantos acordos internacionais e compromissos assumidos em favor da sustentabilidade, como podemos esperar uma mudança real se nem ao menos as bases de orçamentos foram atualizadas para permitir a aplicação de soluções sustentáveis?
A urgência climática exige que governos e gestores públicos tomem medidas concretas para viabilizar o uso de materiais e técnicas menos poluentes. Revisar as planilhas base para incluir opções ecológicas deveria ser uma das primeiras providências para garantir que a sustentabilidade não seja apenas um discurso vazio, mas sim uma prática efetiva na construção das cidades do futuro.
Conclusão
O setor da construção precisa se reinventar para enfrentar os desafios climáticos do século XXI. O uso indiscriminado do cimento e do concreto tem impactos severos sobre o meio ambiente e a qualidade de vida urbana. Sem mudanças estruturais nas políticas públicas, na regulamentação e na cultura construtiva, continuaremos presos a um modelo que compromete o futuro do planeta. O tempo para agir é agora.
Matéria por:
Karina Dunder Koch
Arquiteta e urbanista, especialista em Design sustentável
Precursora do Design Eco Holístico
Diretora da Startup Arquitetura ecológica
Um relatório recente do think tank sem fins lucrativos InfluenceMap revelou que, entre 2016 e 2022, 57 entidades — incluindo países, empresas estatais e companhias privadas — foram responsáveis por 80% das emissões globais de dióxido de carbono (CO₂) provenientes de combustíveis fósseis e da produção de cimento. As três maiores emissoras nesse período foram a Saudi Aramco, a Gazprom e a Coal India.
Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, que visa limitar o aquecimento global, a maioria dessas empresas aumentou sua produção de combustíveis fósseis, contribuindo para o crescimento contínuo das emissões globais de CO₂ relacionadas à energia, que atingiram um recorde histórico recentemente, segundo a Agência Internacional de Energia.
Este cenário destaca a responsabilidade significativa de um pequeno grupo de entidades nas emissões globais e ressalta a importância de ações direcionadas para mitigar as mudanças climáticas. Fonte: Exame
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